Livro: O Dilema do Onívoro

Com o subtítulo “Uma história natural de quatro refeições”, O Dilema do Onívoro constitui uma excelente obra de Michael Pollan publicada em 2006 e lançada no Brasil pela editora Intrínseca.

Na introdução, o autor comenta que a resposta a uma simples pergunta como “O que devemos comer no almoço?” se tornou tão complexa a ponto de necessitar da ajuda de especialistas. Este é um ponto de vista que foi bastante explicitado no nosso texto Quando foi que DESAPRENDEMOS.

Enquanto onívoro, o ser humano sempre enfrentou este tipo de dilema: não foi aquele cogumelo que me fez mal na semana passada?  Como peixe do mar ou criado em tanques?

O autor conclui a introdução assim (o trecho em destaque é nosso): “Muita gente hoje parece totalmente satisfeita comendo na extremidade da cadeia alimentar industrial sem parar para pensar no assunto; provavelmente este livro não foi feito para essas pessoas. Há nele coisas que vão estragar seus apetites. Mas este é, em última análise, um livro sobre o prazer de comer, os tipos de prazer que, à medida que são conhecidos por nós, só tendem a se aprofundar.”

Ao longo de cinco anos, o autor viajou pelos Estados Unidos visando escrever este livro. Visitou fazendas industriais e agricultores alternativos, pilotou tratores, caçou cogumelos selvagens e abateu um porco numa floresta, gerando dados, fatos e reflexões que culminam em quatro refeições, devidamente acompanhadas de reflexões éticas e ecológicas. É praticamente impossível não refletir junto.

A primeira das refeições é a industrial, o autor começa pela descrição de um supermercado moderno para em seguida fazer a apologia do milho. Principalmente na dieta norte-americana, o milho aparece como um elemento disfarçado, mas onipresente, seja no Big Mac, seja na Coca-Cola.

Michael Pollan acompanha um bezerro, comprado no mercado de capitais, desde a fazenda onde nasceu até aquela em que ele foi confinado para engorda, passando uma das fazendas onde, possivelmente, foi plantado o milho que engordaria seu novilho. Vale a pena ler a parte em que ele relata o absurdo consumo de combustível necessário para produzir o milho, transportá-lo e fazer girar toda a engrenagem que transforma sol e petróleo em carne. O petróleo não é só consumido no transporte ou nos tratores: o principal nutriente adicionado à terra onde se planta milho advém do gás natural.

A caracterização da refeição industrial escolhida por ele foi comprada no McDonald’s e comida em um carro em movimento. O autor afirma que hoje 19% das refeições americanas são comidas em um carro. Ele conclui ainda que é possível que a refeição tenha consumido uma média de 900 gramas de milho por pessoa, considerando o milho comido pelo gado de cuja carne se fez o hambúrguer, da galinha que forneceu a carne para os nuggets, além do milho que gerou o xarope de milho que adoça os refrigerantes e do milho que gerou diversos dos aditivos usados nos produtos daquela refeição. Não computado aí o milho que gerou o etanol consumido pelo automóvel enquanto eles comiam.

A segunda refeição consistiu em comer comida orgânica, mas da cadeia industrial. O meio empresarial não podia deixar de ocupar o nicho criado com a demanda por orgânicos. O que no Brasil ainda é incipiente, mas cresce a passos largos, nos estados unidos é uma indústria estabelecida, e do jeito que eles gostam: duas únicas empresas praticamente dominam o setor de orgânicos dos supermercados. Mas voltando à refeição, ela consistiu em um prato pronto, aquecido no microondas e que foi descrita como “Para sermos justos, uma refeição pronta orgânica não deveria ser comparada a uma refeição de verdade, mas sim a uma refeição pronta convencional.” À noite ele preparou em casa uma refeição com produtos orgânicos de escala industrial. O resultado foi bem melhor em termos de sabor. Entretanto, o autor relata que o orgânico industrial é, na verdade, quase a mesma coisa do industrial puro, a menos do não uso de agrotóxicos: a carne e o leite vêm de gado que comeu milho, só que orgânico. Ou seja, a pobreza nutricional se repete. Já em alguns produtos vegetais, como verduras e tomates, ele encontrou-os mais saborosos que os convencionais.

Na terceira refeição, Michael Pollan visita uma fazenda, e trabalha nela por uma semana. É uma fazenda que busca trabalhar de forma harmônica criando gado, galinhas, perus, coelhos, porcos além de produzir ovos, tomates, milho verde, morangos e amoras. O fazendeiro que o recebe se intitula um criador de capim, o resto é com os animais. Na verdade ele cria um pasto natural, em que um metro quadrado tem dezenas de variedades de capins e, por baixo, um número maior ainda de bichinhos cavadores, bactérias e fungos.

A refeição foi feita com uma galinha (de cujo abate o autor participara, não sem alguma reflexão posterior) em pedaços, temperada e preparada na grelha, milho assado e salada de rúcula. Os participantes da refeição foram unânimes em afirmar que a comida tinha um sabor mais intenso, que a galinha era “mais galinha”. Adicionalmente, o autor descreve estudos que comprovam as vantagens nutricionais de alimentos obtidos de forma mais natural, notadamente a relação entre os ácidos graxos ômega 3 / ômega 6.

A última refeição estava prevista para ser feita a partir de ingredientes que ele próprio tivesse caçado, coletado ou cultivado. E assim foi que, com ajuda de pessoas mais habilitadas nas lides de caçar e coletar, ele criou um cardápio com pernil e lombo de porco selvagem que ele mesmo caçou, cultivou o fermento biológico com o qual fez o pão, favas que ele plantou, fetuccine com cogumelos (morchellas) que ele colheu, torta com cerejas que “pegou emprestado” na vizinhança e outros ingredientes, tudo regado com vinho tinto feito por um amigo. Apesar do esforço físico e emocional, ou talvez por causa destes, o autor classificou esta como a refeição perfeita.

E conclui “Mas imaginem só por um momento se soubéssemos, como seria de se esperar, apenas essas poucas coisas banais: O que estamos comendo. De onde isso veio. Como chegou à nossa mesa. E quanto, numa avaliação realista, isso realmente custou.

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