Os Direcionadores da Indústria de Alimentos

Do campo ao nosso estômago, os alimentos passam por etapas que vêm aumentando em quantidade e complexidade ao longo do tempo.

Muito remotamente, estas etapas eram muito simples, pois vivíamos junto aos alimentos. Caçávamos ou colhíamos e comíamos. Simples assim.

Se a comida escasseava, mudávamos para onde houvesse mais abundância. Se não achássemos, passávamos fome. Com a continuação do azar, morríamos uns, outros mais afortunados ou adaptados sobreviviam.

Cerca de 10 mil anos atrás inventamos a agricultura e, com ela, ficamos geograficamente mais fixos, abandonando a vida nômade.

Em termos da história evolutiva do homem, a agricultura foi inventada ontem. Ou seja, toda a nossa evolução, nosso cérebro, nossa capacidade de raciocínio, nosso sistema digestivo, aparelho respiratório, enfim tudo aquilo que nós somos e que nos diferencia dos demais animais foi formado antes da implantação da agricultura. Caçando, colhendo e comendo. Eventualmente usando o fogo, mas jamais plantando ou processando alimentos.

Ao desenvolvemos a capacidade de identificar sementes, cavar buracos e plantá-las, deixamos de depender daquilo que encontrávamos e pudemos direcionar o alimento na direção daquilo que mais nos agradava.

Fazendo uma mudança brusca daquela época para os dias de hoje, temos a maior parte de nós morando em cidades, totalmente dependentes de alguém que crie animais e plante vegetais e os enviem, processados ou não, para as cidades.

Esta separação entre quem cria e planta e quem consome direcionou as escolhas de quais plantas e animais plantar ou criar em função da otimização da rentabilidade em detrimento de qualquer outro critério, seja ambiental ou de saúde. Atualmente até alterações genéticas são feitas nos alimentos visando, só e exclusivamente, à rentabilidade.

Esta rentabilidade, que dá mais lucro às empresas da cadeia alimentar, também beneficia o consumidor, porque lhe entrega alimentos mais baratos. Ou seja, teoricamente é boa para todos.

Vejamos o que significa esta rentabilidade que, em princípio, é boa para todos:

  • Plantar / criar em larga escala: plantar 2 hectares de soja juntos é mais barato que plantá-los separados. Logo, plantar 10 hectares juntos é mais barato do que plantar 5 lotes de 2 hectares cada um. Ou seja, grandes extensões barateiam os custos, logo temos as grandes plantações.
  • Grandes plantações (ou criações) são um prato cheio para os predadores ou para disseminação de doenças. Logo, as grandes plantações exigem agrotóxicos e as grandes criações exigem antibióticos. Alerta: o nosso alimento está recebendo “aditivos” que não existiam antes. E isso é só o começo.
  • Para aumentar a produtividade, e nos oferecer alimentos mais baratos, as sementes (de plantas e de animais) foram sendo selecionadas ao longo do tempo. Foram feitos cruzamentos visando, especificamente, obter maior produtividade. Com isso obtemos milho cujas espigas são parelhas de grãos de bom tamanho (e não desuniformes ou miúdas, como eram as espigas de algumas das inúmeras variedades de milho indígena, por exemplo). Conseguimos pés de milho cuja espiga está pronta para consumo em 60 dias e não 6 meses. Isso é produtividade. Às custas da diversidade.
  • Ao fazer grandes plantações de milho, temos que usar pesticidas para que o milho não pegue pragas. Também usamos herbicidas, para o milho não ter que competir por água, luz e nutrientes com outros vegetais.

Estamos no seguinte ponto: ninguém se preocupou em selecionar um milho (ou várias variedades de milho) em função da qualidade ou da quantidade de nutrientes. A preocupação foi de obter a maior quantidade possível de milho no menor espaço físico e no menor intervalo de tempo. Supor que não há perdas nutricionais é simplificar demais a questão. No mínimo houve a perda da variedade. Diferentes tipos de milho tinham diferentes características nutricionais. Hoje estamos restritos a poucas variedades. A outra perda é que um milho (assim como a maioria dos vegetais) que está sujeito a pragas, aciona seus mecanismos de defesa os quais, em muitos casos, são parte integrante do conteúdo nutricional do milho, logo eram parte da nossa dieta. Hoje não mais. Adicionalmente, há o risco de resíduos de agrotóxicos. Ou seja, o milho que vem sem algumas coisas que nos faziam bem agora pode vir com coisas que nos fazem mal.

  • Com grandes extensões de plantação, e plantando quase sempre as mesmas coisas nos mesmos lugares, sugamos os nutrientes do solo. E a adubação química, por não substituir completamente o ciclo natural de decomposição da matéria orgânica, não consegue repor todos os nutrientes do solo. Com isso, o nosso pé de milho da agricultura extensiva não consegue se alimentar bem, logo não pode nos fornecer os mesmos nutrientes que um pé de milho “normal”.

Como se não bastassem estas perdas citadas até aqui, e que ocorrem só na primeira fase da indústria da alimentação, ou seja, no campo, temos as fases seguintes, para as quais o milho acaba não sendo o melhor, ou pelo menos o mais drástico, exemplo (a soja seria exemplo muito melhor), mas serve.

Vamos escolher 4 maneiras de consumir este milho:

  1. Na forma de espiga: cozida na água ou assada. Temos uma linda espiga, de grãos grandes e uniformes, mas um tanto quanto pobre em nutrientes, ou seja, mais feita para nutrir os olhos do que o corpo. Mas vá lá, é cozinhar ou assar na brasa, colocar uma manteiga por cima (pelamordedeus, margarina NÃO) e comer. Até que não é mau.
  2. Milho em conserva: não é de todo ruim, já que o milho enlatado (é o mesmo cozido do item anterior sem o sabugo) não exige grandes conservantes, basicamente sal e ausência de ar na embalagem. A diferença da opção anterior é mais ambiental: há o gasto de matérias primas e energia na produção da lata, das tintas, do transporte (já que o milho enlatado tem sua vida útil ampliada, ele pode ser consumido muito longe do ponto de produção), além do destino final da lata vazia.
  3. Este milho vai virar farinha e será consumido na forma de cuscuz ou polenta. Além do que já foi perdido, boa parte das fibras, na forma de farelos, e de nutrientes a ela associados, são perdidas no beneficiamento (outra palavra inadequada – ao retirar nutrientes de grãos na elaboração de uma farinha, fazemos um desbeneficiamento).
  4. Este milho será comido na forma de frango. Comer milho na forma de frango é um capítulo a parte, mas podemos adiantar que o inocente franguinho comprado congelado e barato no supermercado é pobre em nutrientes uma vez que além de ter comido um milho já pobre, o comeu junto com coisas nutricionalmente mais fracas e padronizadas como o farelo de soja, além de que nunca deixaram o coitadinho comer uma minhoca sequer, que ele tanto adora e, como se não bastasse, encheram o coitadinho de vacinas e antibióticos (de que outra forma sobreviver naquela superlotação dos aviários modernos?) e, talvez pior ainda, deram hormônio para o bichinho crescer mais depressa. Ou seja, nosso milho vem na forma de frango, mas um frango que nutricionalmente não tem absolutamente nada a ver com a galinha de quintal que um dia lhe deu origem.

Mas voltando à raiz do tema, que eram os direcionadores da indústria alimentícia, a busca da lucratividade leva à necessidade de aumentar a vida útil dos produtos assim que eles saem do campo. Para tanto, o procedimento mais comum é a industrialização. Conservas, salgas e processamento costumam ser úteis nesta etapa. Porém, modernos processos foram criados e introduzidos. Um deles, já um tanto comum em frutas e carnes é a radiação. Sim, o mesmo processo usado na medicina (Raios-X) e usado em guerras ou ameaças delas (bombas atômicas) é também aplicado sobre inocentes moranguinhos.

Os órgãos fiscalizadores garantem que a radiação residual é inofensiva aos humanos. Suponhamos que seja, mas será que o processo não degrada nutrientes interessantes da fruta?

Nossa cultura, e boa parte do nosso conhecimento e pesquisa, se baseiam apenas nos macro-nutrientes, nas malditas calorias, na tal de gordura animal assassina e na aparência externa dos alimentos. Lindos morangos vermelhos + chantily = huuummmmm!!!!

Outro método comum de prolongar a vida útil dos alimentos é transformá-los em pó. Fazemos isso com a farinha, o café, o açúcar, o leite e até com ovos. Em alguns casos o produto ainda é concentrado, para baratear o frete.

Este processo, por si só, não merece condenação. Um bom exemplo é o caso do café. Quase nada é perdido, nada é acrescentado (ou não deveria ser). Mas em outros casos o processo é nefasto, como no caso da farinha de trigo branca, de onde se tira o que ela tem de melhor para evitar que rance e possa durar mais. Mesmo repondo o ferro (ácido fólico), falta muito para ser uma farinha integral. Mesmo que se reintegre o farelo de trigo (como na quase totalidade dos falsos produtos – pães, bolachas, … – integrais disponíveis nos supermercados e padarias), ainda estamos longe do alimento integral. No caso do leite, a coisa piora mais ainda, porque se o leite em pó for integral, o processo de pulverização oxida a gordura do mesmo, transformando-o em um produto prejudicial ao organismo.

Se com tudo que foi descrito até aqui ainda sobrou alguma coisa aproveitável nos alimentos, e sobrou, senão não estaríamos aqui para escrever ou ler sobre isso, há uma outra etapa na industrialização que tenta terminar com o que ainda pode ter sobrado de aproveitável no alimento.

Se nos falta tempo ou se somos preguiçosos, eu não sei, mas que adoramos comidinhas fáceis de preparar (viva o miojo) ou, de preferência, já prontas. E sabendo disso, a indústria, sempre pronta a atender nossos mais profundos anseios (os que não temos, fiquem tranqüilos, ela cria) resolveu facilitar a nossa vida e nos oferece semi-prontos e prontos, com preços até mesmo acessíveis em muitos casos.

A indústria sabe também que somos muito exigentes. Não aceitamos variações de qualidade, de cor nem sabor. Queremos tudo muito padronizado (a la MacDonalds). Como as matérias primas de origem são (ainda) obtidas por meio da natureza, fica difícil fornecer um leite sempre com a mesma cor e o mesmo teor de gordura. Logo o jeito é separar os componentes e depois rejuntá-los nas proporções adequadas. É por isso que os achocolatados vendidos em caixinhas não são feitos com leite e cacau. Eles são feitos com leite em pó, soro de leite em pó, cacau em pó, além de uma dezena de produtos para espessar, conservar, estabilizar, …

Certamente este assunto da aplicação de técnicas de engenharia aos alimentos será tema de muitas abordagens futuras. Aqui daremos uma pequena mostra com um exemplo bem simples: é praticamente impossível encontrarmos, hoje em dia, um salame que não tenha leite em pó em sua composição. Sabe-se lá o que faz o leite em pó em um salame, mas ele está lá, leia o rótulo.

Também é muito difícil encontrar um alimento industrializado que não contenha glutamato monossódico na sua composição, apesar de todos os problemas que este produto causa o organismo, ele tem seu uso autorizado pelos órgãos competentes. Este assunto será tema de discussões futuras e também é bem discutido em um dos livros que serão referenciados.

Resumindo, visando baratear os custos para auferir mais lucros, a indústria da alimentação, do campo à mesa, vem cada vez crescendo mais, ganhando mais, nos envenenando mais e nos nutrindo menos.

O lado bom, que seria a disponibilidade de alimentos mais baratos, é desmascarado pelo fato de que estes alimentos, por serem cada vez menos nutritivos, levam a um consumo individual cada vez maior, gerando uma crise de obesidade e saúde de níveis epidêmicos. O lucro da indústria se transforma em ônus social, coberto pelo Estado ou pelos planos de saúde.

E finalmente, a alegação de acabar com a fome mundial, através de adubos químicos, agrotóxicos e, mais recentemente, através dos transgênicos, não se sustenta, uma vez que o mundo produz mais alimentos do que o que seria necessário para alimentar todos os habitantes do planeta e, no entanto, continuamos a ter gente morrendo de fome em quantidades maiores do que nunca na história humana.

Esta entrada foi publicada em Principal e marcada com a tag , , , , . Adicione o link permanente aos seus favoritos.

1 respostas para Os Direcionadores da Indústria de Alimentos

  1. Aniceto Ferreira dos Santos disse:

    O sistema capitalista em que vivemos mascara, engana as pessoas e a humanidade mostrando a aparência bonita das coisas… uma espécie de isca para a sociedade cair na armadilha que os engenhosos do capitalismo armam com o único objetivo de captar o lucro. E eles têm a mídia e o Estado para se fortalecerem. Parabéns. Nosso país tem pouca gente com essa sabedoria… e são muito perseguidos. Sou estudante em Bacharel de Geografia pela Universidade Federal de Uberlândia, MG. Aguardo notícias.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *