Quem leu o livro O Dilema do Onívoro, do jornalista Michael Pollan, sabe o que significa uma fazenda de confinamento de gado nos EUA. Gostaria de visitar uma aqui no Brasil, para poder falar mal é claro, mas felizmente não há nenhuma perto de mim. Digo felizmente, porque tal prática ainda é incipiente no Brasil. Obtive dados que informam que menos de 6% da carne de gado brasileira é de gado confinado. Mas este quadro pode mudar rapidamente: já temos associação de confinadores e a EMBRAPA está dando o maior apoio. Há vezes, e elas têm sido cada vez mais frequentes, em que a eficiência da EMBRAPA vai contra a gente. Tomara que isso seja transitório, ou seja, esperamos sinceramente que a EMBRAPA passe a considerar outros fatores, além do meramente econômico e eventualmente ambiental, nas suas decisões de pesquisa e fomento.
No site da ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne) há um texto da nutricionista Licínia de Campos no qual ela afirma que “A carne bovina proveniente de animais criados a pasto tem sido cotada como uma das mais nutritivas. Várias pesquisas concluíram que o produto contém concentrações elevadas de betacaroteno e α-tocoferol, níveis maiores de ácidos graxos Omega 3, proporção maior e mais desejável de Omega-3 : Omega-6, e níveis altos de ácido linoléico conjugado, todas estas substâncias sabidamente de efeitos favoráveis à saúde humana.”
E nós acrescentamos que isso não vale só para a carne do gado de corte, vale para o leite das vacas que pastam, para os ovos e a carne das galinhas criadas soltas, e todos os animais que se alimentam da forma como foram naturalmente moldados.
A autora do texto cita um estudo que mostra que o teor de betacaroteno, que se converte em vitamina A no organismo, é 10 vezes maior na carne do gado criado a pasto do que no gado confinado. Quanto ao alfa-tocoferol, uma das formas de apresentação da vitamina E, de alta importância antioxidante, o texto refere a uma quantidade 3 vezes maior na carne do boi criado a pasto, sempre em comparação ao confinado. Com uma vantagem adicional: o maior teor de alfa-tocoferol ajuda a conservar a carne do gado depois do corte. Isso é, aumenta a “vida na prateleira”, frase esta capaz de emocionar a retalhistas e varejistas.
Na continuidade do estudo, a autora fala da relação ômega 3 / ômega 6 da carne, lembrando que o ácido graxo ômega 6 promove a inflamação, o bloqueio sanguíneo e o crescimento de tumores enquanto que o ômega 3 age na direção inversa, embora ambos sejam necessários no equilíbrio de um organismo são. Os dados citados por Licínia mostram uma relação ômega 3 / ômega 6 de 1 / 2 no gado criado a pasto e de 1 / 4 no gado confinado, o que significa uma degradação de 2 vezes. David Servan-Schreiber, no seu livro Anticâncer – página 87, cita uma degradação de 4 vezes nesta relação ômega 3 / ômega 6, ocorrida nos últimos 40 anos, na carne do gado norte-americano, também em função da alteração na dieta dos animais decorrente do confinamento.
Ainda citando informações do texto da ABIEC, quanto ao ácido linoléico conjugado (usualmente denominado CLA, sigla em inglês), um ácido graxo polinsaturado de grandes benefícios ao organismo humano, os animais de pasto apresentam teores 2 a 3 vezes maiores que seus semelhantes confinados. No leite de vacas alimentadas a pasto esta vantagem proporcional sobe para 5.
Entretanto, o fato de o Brasil ter relativamente pouco gado confinado e de a ABIEC enaltecer a qualidade da carne do gado criado solto no pasto, não significa que o confinamento não vá crescer. Como toda indústria, a pecuária “busca a melhor relação custo / benefício possível”, o que é uma maneira suavizada de dizer que ela “busca o maior lucro possível”. O que significa que se que o que ela ganhar a mais com o gado confinado pagar os custos adicionais do confinamento e sobrar alguma coisa, é nesta direção que a indústria se desloca. Sobre isso, você pode dar uma lida no texto sobre os Os Direcionadores da Indústria de Alimentos.
Porém determinar a velocidade com que a pecuária se deslocará nesta direção (a do confinamento), é coisa difícil de prever. Há mil variáveis envolvidas. Em épocas de seca, confinar é boa solução. Em épocas de chuva, desde que não demasiadas, não. Em épocas de baixa da soja e do milho no mercado internacional, é hora de confinar. Em algumas regiões, se há maior exportação de suco de laranja ou maior produção de cerveja, significa mais refugos baratos para alimentar o gado, logo é hora de confinar.
Vamos a uma situação limite no que se refere ao direcionamento que o mercado pode dar ou não ao confinamento: inventaram o “plástico verde”. Mera propaganda industrial para nos empurrar um plástico, como outro qualquer em termos de demora na degradação ambiental, que seria ecologicamente mais correto, só porque parte dele (em torno de uns 20%) é feita com derivados do álcool da cana de açúcar e não do petróleo. Se a moda pega, teremos ainda mais demanda por cana, maior preço da cana, maior avanço sobre pastagens por encarecimento da terra, logo maiores vantagens do confinamento. Ou seja, a pseudo solução de um problema ambiental pode acabar nos gerando um problema maior, nutricional, de saúde.
A EMBRAPA, em um texto usado num curso de confinamento de bovinos, define confinamento como “o sistema de criação de bovinos em que lotes de animais são encerrados em piquetes ou currais com área restrita, e onde os alimentos e água necessários são fornecidos em cochos“.
O texto, muito didático, cita sempre o enfoque econômico como opção pelo confinamento ou não. Era de se esperar, de uma empresa pública, que houvesse alertas ou ressalvas quanto à perda da qualidade nutricional do produto. Não há. Só haveria, e isso pode ser visto alguns parágrafos adiante, se esta perda de qualidade afetasse a rentabilidade.
Em contra-partida, há uma grande preocupação com as “doenças do confinamento”, não ditas desta forma, é claro, mas colocadas assim “Por exemplo, o resíduo da pré-limpeza do grão de soja, que chega a ter 16% de proteína bruta na MS, não deve ser incluído nas rações em proporção superior a 25% da MS, porque causará diarréia e timpanismo.”, ou assim “É importante que os animais sejam adaptados gradativamente à dieta do confinamento, em especial aqueles antes mantidos exclusivamente em pastagens. A não adaptação à dieta tem sido responsável por distúrbios, como acidose e timpanismo nos confinamentos”. (MS = matéria seca.)
A autora, Esther Guimarães Cardoso, descreve os problemas existentes no confinamento do gado de corte, condicionando-os só e exclusivamente, aos resultados econômicos: “Podem ser considerados como problemas no/do confinamento do gado de corte aqueles fatores ou condições que contribuem para o insucesso ou diminuição do rendimento da atividade”.
Esquecendo de que se trata de ruminantes, o texto fala que “Dentre os problemas que podem afetar os animais no confinamento, está a acidose, caracterizada pelo aumento do ácido lático no rúmen, geralmente em conseqüência do consumo excessivo de alimentos ricos em carboidratos facilmente fermentescíveis (do concentrado da ração).”
Citando mais um parágrafo doloroso (para mim, imagine para o gado confinado): “O timpanismo também pode acometer bovinos em confinamento. Alguns alimentos, como leguminosas e resíduo da pré-limpeza do grão de soja, podem favorecer seu aparecimento. O timpanismo pode ainda ocorrer quando a freqüência de alimentação não é adequada ou há alternância de super e subfornecimento de concentrados, especialmente os finamente moídos (pode haver evolução até o aparecimento de paraqueratose)”. Fiz um destaque em “resíduo da pré-limpeza do grão de soja” porque isso não deveria ser alimento nem de bactérias.
Pegamos animais que pastavam lenta e calmamente ao longo do dia, buscando o capim mais fresco possível, em áreas abertas, deitando para ruminar sob alguma sombra disponível, e os aglomeramos em pequenos espaços confinados. Fornecemos o alimento que nos convém economicamente, fazendo-os engordar por ter que comer mais e mais para buscar os nutrientes que o pasto lhe dava e agora não têm mais, fazendo-os adoecer e disputar ombro a ombro (ou, mais adequadamente falando, paleta a paleta) um espaço no cocho para ver se hoje “serviram trevo fresco” e depois nos surpreendemos com a seguinte frase no trabalho da EMBRAPA “Montas e brigas entre animais, se freqüentes, podem trazer prejuízo tanto para aqueles dominados (lesões) quanto para os dominantes (gasto energético superior). As causas para tais comportamentos anormais não estão bem definidas. Há casos em que é preciso retirar animais do lote para amenizar o problema.” O negrito acima é auto explicativo.
Se você quiser saber mais, já que este texto está “comprido demais da conta”, há uma reportagem na Revista Rural (de 20/08/2010), na qual dirigentes da Assocon (Associação Nacional dos Confinadores) falam das vantagens econômicas do confinamento e preconizam aquilo que tememos: “Pode-se dizer que confinamento é o futuro. O processo vai demorar, mas a tendência é essa mesmo, aqui no Brasil.” Inventaram até o “boitel”, um sistema no qual o pecuarista coloca seu gado no confinamento pagando uma diária que há dois anos atrás era de R$ 4,50.
Ou seja, aquilo que já fizeram com nossas galinhas e ovos, e com nossos porcos, principalmente os destinados a lingüiças, salames e congêneres, estão querendo, e vão fazer, com o nosso gado.
Comeremos cada vez mais alimentos de qualidade nutricional inferior, adoeceremos mais, daremos sobrecarga aos nossos planos de saúde ou ao SUS, que subsidiarão, desta forma, o lucro da agropecuária de confinamento.
Amigo zé das couves, para lhe responder, vou lhe dizer algumas soluções que tanto priorizam a sobrevivência saudável do animal, do meio ambiente quando para economia.
ILPF, pecuária neutra, permacultura, agroflorestas e cooperativas.
Tudo isso faz jus ao que se chama de agricultura sintrópica, a qual é:
“Uma tentativa culta de conseguir o necessário daquilo que precisamos para nos alimentarmos, além das outras matérias primas essenciais para nossa vida, sem a necessidade de diminuir e empobrecer a vida no lugar, na terra. Isto implica em considerarmos um gasto mínimo de energia, onde não cabe maquinaria pesada, agrotóxicos, fertilizantes químicos e outros adubos, trazidos de fora do sistema. A agricultura, dessa forma, passa a ser uma tentativa de harmonizar as atividades humanas com os processos naturais de vida, existentes em cada lugar que atuamos. Para conseguirmos isto é preciso que haja em nós mesmos uma mudança fundamental, uma mudança na nossa compreensão da vida. ”
http://agroflorestanamantiqueira.weebly.com/agricultura-sintroacutepica.html
As informações obtidas deste sate foi muito importante e fundamenta para a construção de um projeto sobre bovinocultura de corte “confinamento”. obrigadooo
Quero agradecer a citação do meu nome e a inclusão de matéria veiculada não só pela ABIEC como tb em Congressos e Feiras na qual participei por intermédio do http://www.sic.org.br (Serviço de Informação da Carne), ONG da qual participo há 10 anos como membro do Comitê Técnico, dando palestras por todo nosso país. Acredito firmemente em gado a pasto, porém gostaria de esclarecer que já fizemos uma palestra orientando os produtos de gado confinado em como alimentar (e nutrir) o animal confinado de maneira que não seja por isso prejudicado em teores de ômega-3. Assim, agradeço a citação e nos colocamos à disposição p/ eventuais dúvidas.
Dra Licinia de Campos
valeu pela informação, me ajudou muito na construção de um projeto!!! valeu mesmo
Para os brasileiros, um motivo a mais para comemorar. A carne produzida à pasto é mais saudável pois se torna alimento rico em Ômega 3, um ácido graxo essencial com ação anti-inflamatória em termos de células. “Hoje, o frango, o peixe de cativeiro e o gado confinado se alimentam de milho e soja. Ou seja: o boi que na verdade era um capim processado, agora está tendendo a ser milho e soja processados. Se não mudarmos esse enfoque, que é o modelo americano, seremos também milho e soja. Com isso, teremos cada vez mais Ômega 6 e menos Ômega 3 na nossa célula. Aí surgem as doenças. Portanto, se você quer saúde, a carne então é a do gado criado a pasto !”, garante o médico Rondó Júnior.
grato pela forma simples e direta de abordagem do assunto.
De um lado o problema das terras para pasto, a preocupação com o meio ambiente evitando as devastações para formação de pasto e plantel. De outro, a preocupação com a condição de vida do animal, a necessidade de sombra, agua e comida fresca para os animais, bem como a qualidade e a concentração de nutrientes do produto voltado ao bem estar do consumidor. Não sei mais o que pensar!!!!! Tais argumentos quando reflito me levam ao muro entre ambos os aspectos. A verdade é única. Tal como o pessoal dos Direitos Humanos está para a proteção dos interesses da bandidagem, esquecendo de vez da real necessidade em tutelar os interesses dos HUMANOS, a questão apresentada, observada em qualquer das facetas (confinado ou livre), tornam-se ferramentas para qualquer movimento ambientalista poder, de forma ferrenha, desenvover vultuosamente suas atividades. Em resumo, em se tratando do gado livre, deparamos com os conflitos de terra, desmatamentos para produção de pasto, entre outros o que leva a questão de ação dos AMBIENTALISTAS; de outro, o gado confinado sofre, e o seu rendimento nao é saudavel, também levando a ação dos AMBIENTALISTAS. O importante é que, ambas as questões são tratadas pelos ambientalistas da mesma forma que os Direitos dos humanos são tratados pelo pessoal dos Direitos Humanos: Ninguem se preocupa em perguntar como um pequeno produtor de Leite, com suas singelas 20 vaquinhas em lactação e retiradas médias de 150 litros/dia, mantendo-as no seu pasto sem degradar a natureza, gastando dinheiro em vacinas contra aftosa, antitoxicos, vermiofugos entre outros, e em produtos na manutenção da higiene da retirada, água, luz e equipamentos de ordenha, consegue sobreviver recebendo apenas R$0,20 (vinte centavos de real) por litro??? Será que alguem pode explicar esse milagre da natureza???
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